domingo, 7 de novembro de 2010

de quem é essa rua?

em 1999, durante as grandes manifestações em seattle contra a omc (organização mundial do comércio), o lema que se gritava em todas as ruas foi assim:

whose streets?  our streets!

(de quem são as ruas?  são nossas!)

estive nas manifestações basicamente por acaso (estava morando em seattle naquela época), mas fiquei muito marcado pela experiência.  tomar as ruas através de uma força popular, viver numa zona temporária autônoma, por mais curta que fosse a duração dela, e ficar engasgado com gás lacrimogêneo mudou minha percepção das cidades e as possibilidades de convivência nelas.

morando no rio de janeiro, penso muito em nosso grito coletivo de seattle.  mas como gringo morador de um bairro privilegiado, geralmente tenho a sensação de que, apesar de tudo, me resta uma liberdade nas ruas.  apesar do eduardo paes falar no new york times que o problema do carioca é tratar do espaço público "como se fosse dele", sinto uma liberdade nas ruas que, por mais que seja muito relacionado a minha classe social, cor, ou gênero, me faz esquecer como a democracia espacial é tão precária.

mas, como eu moro perto da lapa, geralmente tem algum choque de ordem para me lembrar dessa precariedade.

hoje, no final da tarde de domingo, fecharam mem de sá e riachuelo - as duas via principais - para facilitar a filmagem do terceiro filme na série "crepúsculo".  ergueram barricadas e muros de zinco fechando as duas ruas (mais um trecho de lavradio), o que basicamente impossibilitou qualquer caminho pela lapa.  dezenas de guardas municipais bloquearam a entrada de quem queria passar - consegui atravessar por volta dàs 19h com o último grupo a entrar depois das portinhas dos muros serem fechadas.

obviamente, a situação provocou chatice entre os moradores impedidos a entrar nas próprias casas, e entre a galera que queria andar pelas ruas que até recentemente pareciam ser deles.  com a aglomeração nas muros crecendo, começaram a rolar pequenas confusões entre guardas e civis, e entre moradores irritados com a situação e com a maneira dos seus vizinhos.  enquanto isso, um grupo de guardas escutaram atensiosamente as ordens de um assessor da filmadora.  ou seja, a política de segurança no bairro estava sendo dirigido não pela prefeitura; ela tinha sida alugada, junto com o direito de livre passagem, para a mídia internacional.

vendo que apenas atores internacionais tinham direito de passagem, tentei entrar novamente na zona proíbida, mostrando meu protocolo de estrangeiro e explicando - em inglês e português - que eu sou estrangeiro formado em teatro, e por isso, deveria gozar dos mesmos benefícios que os demais entreteinadores internacionais.  os guardas não gostaram da lógica, e me ameaçaram com os cacetes quando pensavam que eu ia entrar de verdade.

sei que fechar uma rua para filmar é algo normal em todas as grandes cidades do mundo.  mas fechar as duas ruas principais (e mais seguras) sem avisar os moradores antes, fazendo com que quem estiver na rua se vira prisoneiro no seu próprio bairro, e manter a ordem com bastões é, infelizmente, muito caracteristica da incompetência e brutalidade que caracterizam a reforma urbana no rio de janeiro.  ficou muito claro, mais uma vez, que o que interesse na "reurbanização" da cidade não é o melhoramente da realidade atual, e sim a colocação de uma outra cidade em cima de que e quem estiver por aqui agora.  o sucesso internacional está chegando - quem estiver no caminho dela, que se fode.

e essa galera de ordem ainda tem a ousadia de chamar de vandalismo pixar parede ou mijar na rua.  depois de ver muros de zinco erguidos para nos excluir das ruas onde sempre andamos, fica ainda mais claro que o vandalismo é deles.

3 comentários:

Alice disse...

Tem uma cantiga popular que é assim:

Se essa rua se essa rua fosse minha/Eu mandava eu mandava ladrilhar/ Com pedrinhas com pedrinhas de brilhante/ Para o meu para o meu amor passar.

Nunca tinha pensado nisso antes, mas hoje em dia acho bem romantico/capitalista. Casamento.

Alice disse...

É muito louco esse comentário do Eduardo Paes porque eu acho que é justamente ao contrário. A nossa relação com a cidade muitas vezes é infantil do tipo: vou esculhambar com tudo e aproveitar ao máximo enquanto "meus pais" ou "o estado/dono da rua" está distraído... Daí a euforia de aproveitar enquanto é tempo da lapa de sexta a noite. É uma euforia infantil que, por vezes não é muito responsável, mas é assim porque não se tem a sensação que a rua é nossa realmente. Agora, se a gente se apropriasse da cidade então daria pra fazer festa e até daria vontade de arrumar a casa depois. Quando a casa é nossa dá gosto ver tudo limpo.

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Hoje eu fiz uma faxina no meu quarto. E não vou prá Lapa. :)

gringo que fala disse...

acabei de arrumar meu quarto, depois de um booom tempo... e a sensação, de fato, é boa. mas, por ser meu quarto, também não sinto nenhuma obrigação de limpa-lo. não acho que isso funcione, metaforicamente, para explicar a situação das ruas - acho que talvez o que encanta da rua é ela ser inteiramente nossa e inteiramente estranha ao mesmo tempo. a nossa relação com ela nunca acaba, mas é só uma de várias co-existentes. não me sinto o dono de nenhuma rua, muito menos aqui no rio (não sendo carioca), mas também não sinto que meu livre movimento e expressão nelas pode ser restrito...