parecia um menino de 14 anos, mas na verdade era uma menina de 17. porém, foi impossível saber disso quando vimos ela ajoelhada na praça com a cabeça no chão, diante de um guarda municipal torcendo os braços dela para atrás das costas, enquanto outro a ameaçou com seu cacete híper-fálico, um pau duro de quase um metro.
eramos quase 30 pessoas olhando, mas os guardas só deixou ela ficar em pé quando 6 de nós - todos brancos, universitários, e em grande parte gringos - fomos para a frente da aglomeração. a menina - negra, com cabelo raspado, de bermuda e com os peitos invisivéis debaixo da sua camisa folgada - se levantou, chorando silenciosamente, enquanto um dos guardas mostrou metade de uma garrafa quebrada, o que a menina supostamente estava portando como uma arma improvisatória. uma das universitárias foi falar com os guardas, e disse depois que queriam revistar a menina, apesar dela ser mulher e menor de idade.
os guardas, cada vez mais cientes do olhar da aglomeração, levaram a menina para o trailer do choque de ordem, que fica logo em frente à nova muralha de grafite "oficial", patrocinada pela cerveja antarctica, o que está virando uma marca de uma lapa "boa" e "legal".
nós universitários seguimos esse pequeno espetáculo de ordenamento em ação sabendo que lapa está virando "legal" desse jeito para agradar gente como a gente, principalmente os gringos, e sabendo também que infelizmente, o nosso olhar tem um poder muito maior do que o dos demais lapianos.
no trailer, consultaram alguém - um chefe/coordenador sem farda - que mandou liberar a menina, já que não tinha vídeo comprovando nada contra ela. formamos uma escolta para acompanhá-la, pois a falta de vídeo não impederia que ela fosse pega de novo, e sem o olhar pesado de uma galera associada com direitos humanos, a segunda vez com certeza não seria mole.
escrevendo agora, dois dias depois, vejo como a menina, apesar de estar no centro do acontecimento, não foi o personagem central. para os guardas, foi uma inconveniência, menos preocupante do que os 6 universitários brancos assistindo. para nós, ela era uma vítima, reflexão dos vários abusos do poder que nos cercam...mas não sabemos o nome dela, ou de onde ela veio, ou muito menos quem ela é. e para lapa em si, não era nada fora do normal...esse tipo de coisa deve se repetir dezenas de vezes a cada sexta-feira.
boa parte da redefinição da lapa é fazer com que a palavra "malandro" muda de significado, perdendo qualquer sentido de perigo ou alternatividade. malandro que é malandro agora é cult, é quem sai para se divertir responsávelmente, gastando dinheiro nos botequins mais caros.
a outra tal malandragem não existe faz tempo, e agora está sendo substituida por garis com chapeu panamá, barraqueiros com avental da antarctica, e arcos novamente pintados. sei que brutalidade policial também é uma antiga tradição na lapa, e o que a gente viu sexta à noite era muito pouco: bater em pobres, negros, e gays é património do bairro pelo menos desde os tempos de madame satã. mas tenho que pensar também que malandro que é malandro não bate em mulher, e muito menos em menina.
2 comentários:
Olá, gostaira que você me concedesse permissão para copiar e colar esse post no meu blog www.pontodefusao.blogspot.com
Com os devidos créditos, é claro.
Parabéns pelo blog e pela visão e, como nós, poetas, ainda se indignar e se sensibilizar.
fala isa, é tudo nosso! copia à vontade. que bom que você gostou!
vai ter uma performance na lapa sexta dia 26 que tem a ver com isso - me manda um email se estiver interessado em participar. gringoquefala@gmail.com
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